Experiência acima da opinião - atenção, silêncio e transformação
21 Jan 2021
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Opinião, perspectiva e verdade
Figure 1: Fonte Desconhecida
Opinião. O que é opinião? Pela etimologia, é possível reconhecer que essa palavra deriva-se do termo Latim `opinari`, sinônimo de pensar e acreditar. Popularmente, opinião é a visão de mundo de uma pessoa sobre um determinado assunto, mas na filosofia de Parmênides o caminho da opinião (doxa) estaria baseado na aparência, como uma ideia imprecisa acerca da realidade a ponto de levar ao engano e incertezas. A opinião se opõe à verdade. Dessa maneira, opinião não se trata sobre fatos – afirmações verdadeiras – mas perspectivas orientadas a um determinado assunto.
Quando ocorre o desferimento de uma frase como "Essa é minha opinião, FIM.", algo recorrente na atualidade política e social, isso demonstra um fechamento sobre a busca da verdade quanto àquele assunto. Mas ora, o que é a verdade? Refiro-me nesse momento a verdade da razão, como Leibniz a define. A verdade é um estado de supremo conhecimento e irrevogável quanto a um acontecimento. Algo só pode ser verdade quando não há qualquer dúvida sobre tal assunto, como os teoremas na matemática, um sistema idealizado e bem comportado.
Pergunto, portanto, será que na nossa realidade existem verdades? É questionável, pois, se não é permitido algo verdadeiro conter qualquer dúvida sequer, eu poderia dizer que há poucas verdades no mundo, ou talvez nenhuma. Ao tomar como exemplo o céu azul, o que inocentemente parece ser uma verdade, pode não ser. Nós como humanos enxergamos o céu com essa coloração dita azul pois a declaramos dessa maneira pela nossa visão. Mas não significa que para os outros animais, ou até mesmo outros humanos, o céu seja de fato azul. Enxergar o céu azul é uma perspectiva. Desta maneira, percebe-se que a verdade é um ideal a ser buscado, e a opinião é uma ilusão.
Consumismo e Escapismo contra a Experiência
Figure 2: Tirinha os Malvados por André Dahmer
Durante nossas vidas cotidianas consumimos muitas coisas. Passamos a vida consumindo, todos dias notícias, drogas, músicas, emoções, livros e até mesmo o ar que respiramos. O que reflete meu ser senão aquilo que eu consumo todos dias? Desde meu alimento, o que leio, o que estudo, o que me distrai. O consumo me consome como ser, consome meu tempo e meu estar, a distração atrapalha meu foco e minha atenção ao que está ao redor. Porque sentimos necessidade de tanto consumir e nos distrair? O sofrimento não é fácil de gerenciar, muito menos confrontar, muitas vezes é mais simples buscar o conforto na fuga. Mas será esse o caminho para aproveitarmos a experiência em vida?
O consumo na indústria do entretenimento é uma fuga das emoções externas e internas que abalam a nossa alma; seja uma música que incita o alcoolismo e o apelo sexual, um livro de autoajuda cheio de métodos vãos para a busca da verdade, um jogo de videogame cheio de violência pra extravasar sua raiva. Dito isto, pergunto: O que estamos fazendo nessa vida breve e finita?
A fuga nos afasta da experiência, do confronto, das emoções reais que sentimos. O consumismo consome nosso tempo e nossa mente, como um artifício em ilusão de repor o que perdemos, para acalmar nossa dor, um remédio pra postergar o confronto. Se o que há de mais valioso nessa vida é a experiência, porque deveríamos perder tanto tempo com tantas coisas vazias e sem valor?
O reconhecimento do que significa experiência é necessário. O autor J. L. Bondia no artigo intitulado `Notas sobre a experiência e o saber da experiência' defende: "A experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. Não o que se passa, não o que acontece, ou o que toca. A cada dia se passam muitas coisas, porém, ao mesmo tempo, quase nada nos acontece. Dir-se-ia que tudo o que se passa está organizado para que nada nos aconteça. […]".
O excesso não é bom em praticamente nada nesta vida, não seria diferente quanto a informação. O autor anteriormente citado, parafrasesando-o, diz que a experiência tem sido cada vez mais rara, em primeiro lugar pelo excesso de informação, e informação não é experiência. Em segundo lugar, a experiência é cada vez mais rara por excesso de opinião. Pelo excesso de informação, opinamos demasiadamente. O autor continua e diz: "Em nossa arrogância, passamos a vida opinando sobre qualquer coisa sobre que nos sentimentos informados […]. A obsessão pela opinião também anula nossas possibilidades de experiência, também faz com que nada nos aconteça".
Ainda nessa perpectiva, é posto em cheque a raridade da experiência pela falta de tempo. O autor afirma que tudo se passa demasiadamente depressa, cada vez mais depressa na modernidade, de tal maneira que o acontecimento nos é dado na forma de choque e a velocidade com que ocorre é tão tremenda que impede a conexão significativa entre esses acontecimentos.
Por último, de acordo com o autor, a falta de experiência acontece pelo excesso de trabalho. Portanto, conectando estes pontos e a tirinha do André Dahmer, temos tido pouco tempo para apreciar a vida, o que nos ocorre a todo instante, inundados de informações inúteis e trabalhos medíocres que não nos fazem felizes, pra piorar, no estado de infelicidade fugimos da realidade com qualquer coisa que ajude a nos esquecer do que vivemos. No fim, chega o pior caso: a vida se torna um grande vazio completo sem experiência alguma. Tudo passou por nós e nada em nós terá ficado, pois estávamos sem tempo, trabalhando dia e noite, ocupados demais opinando sobre qualquer assunto irrelevante de uma notícia do governo, uma vacina que está pra chegar ou outra besteira de alguma rede social.
Sem experiência não teremos vida. Seremos uma mula até a morte. A experiência requer atenção, silêncio para que ocorra a transformação em nossa vida. O grande show da vida.