Prelúdio
TL;DR: Em 2022 fui diagnosticado com Transtorno Bipolar Tipo II, desde então minha vida ganhou uma perspectiva diferente.
Não sei ao certo como começar esse texto, não é um assunto fácil pra mim. De certa maneira, durante muitos anos, principalmente após a separação dos meus pais em 2009, aos meus 15 anos, eu tinha dúvidas de que eu poderia ser uma pessoa diferente em vários sentidos… Mas especialmente no aspecto de lidar com emoções intensas.
Olá! Meu nome é Manoel Vilela, tenho 29 anos na data de publicação deste artigo. Fui diagnosticado com Transtorno Bipolar Tipo II (T.B. Tipo II) após mais de 12 anos sofrendo com episódios de depressão profunda de maneira cíclica.
O início e a família
Minha primeira depressão ocorreu quando tinha 16 anos, em 2010. Fiquei recluso por todo esse ano em casa, no último ano do ensino médio com um turbilhão de sentimentos, onde se misturava a separação dos meus pais, meu primeiro namoro e uma traição que sofri de um amigo próximo. Mesmo sendo um aluno aplicado — um ano adiantado na formação de ensino por ter pulado a segunda série para terceira aos 8 anos sendo que mal frequentei a terceira a série por conta de problemas familiares — a depressão não encontrou barreiras pra destruir esse histórico.
Penso até o momento que o Transtorno Bipolar é uma condição psiquiatra extremamente mal compreendida, começando pelos próprios pacientes em certas ocasiões. Um transtorno como esse que pode possuir tantas variações não pode ser caracterizado como um transtorno psiquiátrico fácil de entender — ao mesmo tempo que possa ser confundido com uma pessoa completamente normal, é possível também confundir com esquizofrenia (T.B. Tipo I).
Cresci toda minha vida rodeado de dramas em relação ao Transtorno Bipolar por conta do meu pai, que possui T.B. Tipo I. Esse tipo de transtorno possui várias semelhanças ao tipo II, mas com uma diferença substancial: a mania. O portador de transtorno bipolar maníaco-depressivo tipo I possui uma resposta oposta a depressão chamada mania, onde acontece uma extrema euforia, podendo levar a agressividade, estresse e até mesmo alucinações.
Eu não tenho mania, apenas hipomania, que é uma versão mais branda desse episódio que acontece exclusivamente com o T.B. tipo I. Na imagem a seguir é possível observar as transições de humor entre diferentes transtornos psiquiátricos em relação a uma pessoa comum, a mania e hipomania é a diferença entre os bipolares tipo I e tipo II.
Durante uma crise de mania, já vi meu pai destruir uma casa inteira enquanto criança (aos 6 anos de idade) e isso foi devastador pra mim, por muito tempo tive medo do meu pai e também não compreendia isso muito bem. Muitos falavam de possessão demoníaca, e honestamente, até que parecia mesmo… Seu tom de voz mudava, sua personalidade, sua percepção, até mesmo suas memórias… E muitas vezes ele se tornava extremamente agressivo, principalmente com seus familiares.
Isso persistiu por muitos anos na minha família, as crises de mania e depressão que meu pai sofria. E eu, que tinha meus problemas, não recebia atenção que talvez eu precisasse sobre os traumas que estavam sendo criados continuamente, e eu escolhi ali a reclusão como meu protetor, pois eu senti naquele momento que não poderia contar com ninguém.
Entre a adolescência e a vida adulta
O ano de 2010… É um ano chave. Como comentei, é o início de muitas coisas na minha vida, a incluir o alcoolismo juvenil, a primeira traição, a primeira vez de tantas coisas. Isso foi devastador pra mim de muitas maneiras. Foi uma experiência muito intensa, que me obrigou a me afastar de praticamente todas as pessoas que eu conhecia… e me aproximar da música, neste ano foi quando comecei a aprender tocar violão enquanto faltava as aulas do ensino médio.
Na perspectiva de quem possui essa condição, a diferença substancial de uma pessoa com transtorno bipolar é a resposta as emoções, seja as boas ou ruins… No geral, tudo é muito intenso. Alguns tem a percepção que bipolares são muito sensíveis, mas não é somente sobre isso, as emoções perduram por muito mais tempo e isso trás consequências que nem sempre são tão agradáveis.
Meu primeiro episódio de depressão durou cerca de 9 meses. Isso ocorreu novamente em anos posteriores, em ciclos de aproximadamente 2 anos… 2012, 2014, 2016, 2019, 2021…
Os ciclos de depressões no geral sempre foram bastante longas (9 meses em média), e entre esses ciclos, há intervalos de hipomania que podem parecer uma ressuscitação emocional de tão agressiva que pode ser, afinal nesse momento tudo parecia ser novo, e eu com toda essa energia de renovação fiz muitas coisas… Seja na faculdade, no aprendizado individual com a música e outras coisas… Isso é tão forte, que pessoas próximas, principalmente em relacionamentos, já pensaram que eu tivesse dupla personalidade, e brincavam com meus nomes tentando separar as identidades (Manoel, Neto…). A hipomania é tão revitalizante após a depressão, que te mexe com sua percepção de auto-resistência, tornando uma espécie de super homem na sua auto imagem. Essa criação de uma distorção da percepção de si mesmo nesse período é comum, podendo também gerar até mesmo crises de megalomania (como um gatinho que olha pro espelho e vê um leão).
Esse combustível da hipomania te deixa imparável, tira os limites do cansaço e da distração, é possível aguentar longas exposições de esforço físico e mental, entre várias horas e dias, como também a baixa necessidade de sono (mesmo dormindo entre 3 a 4h diárias, ainda é possível se manter sem sinais de cansaço por VÁRIOS DIAS).
Mas existe um problema, a hipomania além de ser breve, ela costuma ter lados negativos também, em algumas situações muito negativas. Pressa na fala, irritabilidade, agressividade, dificuldade de sentir empatia. Isso pode ser devastador num relacionamento ou no trabalho profissional. Além do mais, por estar operando acima da sua capacidade cognitiva normal, a chance disso provocar uma exaustão emocional e mental se não for gerida é imensa, sendo um gatilho eventual para depressão (e assim perpetuando a dinâmica oscilatória malévola: a transição maníaca-depressiva).
Suicídio
Há uma preocupação grave com o transtorno bipolar não tratado, pois é a doença de transtorno de personalidade maior causadora de suicídios, sendo que 30% a 50% dos portadores tentam o suicídio 1, 20% conseguem e o T.B. II é ainda pior nesse sentido, pois os ciclos de depressão costumam ser maiores, e também mais reincidentes. Pesquisador alerta sobre transtorno bipolar e comportamento suicida na adolescência (Fiocruz, 2022).
É um tema recorrente que passa pela mente do bipolar, mais agravante em períodos depressivos, coisas que já sofri muitas vezes, e o apoio da família e amigos nessa etapa é fundamental. Em outro momento talvez possa contar sobre um episódio crítico pessoal sobre esse tema.
Relacionamentos e o Bipolar
Eu tive poucos relacionamentos na minha vida, e sempre o Transtorno Bipolar, esteve presente como um ator de conflito mesmo que eu não soubesse da sua existência.
Há muitos anos estou no mesmo relacionamento (minha atual querida esposa), mas nem por isso, esse relacionamento é imune aos males do transtorno. Pelo contrário, é uma batalha constante para ambos aqueles que participam da relação onde há o bipolar.
Dou mérito a minha esposa, por mais que na minha completa descrença, e com minha grande relutância, insistiu que eu buscasse ajuda profissional.
Não dá pra saber o que vai acontecer no futuro a partir daqui, mas o processo de diagnóstico foi essencial para salvar minha vida e também meu casamento que caminhava ao abismo.
Em 2022, além de ter passado por um problema de saúde familiar grave com minha mãe, tive um burnout severo no trabalho por conta de incompetência alheia, que prefiro nesse artigo não dar detalhes pra perder o foco.
Além de estar num episódio de depressão, burnout no trabalho, infeliz na vida pessoal, infeliz no casamento, os investimentos em colapso e todas minhas economias derretendo, perdi uma das essências que mais me motivava continuar: meus estudos.
Em 2021 entrei em exaustão profunda e não consegui dar continuidade nem na bolsa de pesquisa que ganhei no ITA, nem finalizar minha graduação que apenas faltava o trabalho de conclusão de concurso. Isso foi um veneno extremamente poderoso pra minha alma.
Até hoje sinto ainda estar em recuperação disso tudo, pois não é apenas uma questão de medicação pra restabelecer o equilíbrio físico-químico do meu cérebro que é deficiente por natureza, mas também… Aceitar a condição psiquiatra que possuo e aprender a conviver com os traumas que fui adquirindo com cada fase da minha vida.
Não sou uma pessoa aberta, sou bastante recluso, anti social e tenho poucos amigos. E mesmo entre esses poucos amigos, em episódios de crise é praticamente impossível eu me comunicar de maneira efetiva. No pico da depressão, eu perco a comunicação total. E quem mais sofre, além de mim, é quem está perto de mim.
Por esses motivos, a única sensação que sobra é a de isolamento. E de certa maneira, isso não mudou muito, mesmo com a medicação.
A vontade de isolamento persiste. E isso torna um relacionamento saudável, seja amoroso, profissional, ou de amizade, extremamente difícil.
Van Gogh e o Transtorno Bipolar - É mais fácil amar ao longe.
Referências
Estudar sobre o transtorno bipolar me fez aumentar meu nível de aceitação e também entendimento sobre os gatilhos que podem fazer eu sair da zona de estabilidade.
Uma monografia em particular de Maria F. F. Mota como estudo de caso do transtorno bipolar para conclusão de curso de Psicologia (2005, UniCEUB) é bastante elucidativo:
MEU DEUS, POR QUE EU FIZ ISTO?.
Para quem quiser explorar as características clínicas para diagnóstico do transtorno bipolar tipo 2, é possível consultar no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. Para facilitar o processo de busca vou deixar um link da quinta edição numa página hospedada gentilmente pelo Psiquiatra Gustavo Amadera (CRM-SP 117.682):
Esperança?
Em tratamento. Apenas deixo um recado pra quem se identificar: confie no seu psiquiatra e no tratamento. As medicações não são seus inimigos nem mudam quem você é realmente.
To be continued.